Um dia, anos mais tarde, depois de lavar o piso da cozinha e da sala de estar com as próprias mãos, ela vestiu a sua melhor blusa de seda, abotoou sua saia longa e colocou seu chapelão na cabeça. Empurrou o cano da espingarda do marido contra o céu da boca e puxou o gatilho.
Eu me perguntava: porque? Estava cega! Até que um dia, meses depois da leitura, minha filha estava na escola e meu marido saiu com meu filho menor para que eu tivesse um tempo para mim. Então eu estava escovando os meus dentes e pensando que iria na lagoa praticar um pouco de yoga e depois mergulhar, "só tenho que antes, varrer a casa, lavar a louça e dobrar as cobertas."
Nesta hora eu me olhei no espelho assustada e falei sozinha, em voz alta:"Meu Deus, eu sou a mulher do chapéu". Antes de fazer qualquer coisa para mim eu precisava deixar tudo limpo e arrumado para todos.
Antes de me permitir ser quem sou eu precisava ser o que achava que esperavam de mim.
Naquele momento eu puxei o meu gatilho e decidi também matar a mulher que me tornara, sem a capacidade de erguer a voz sequer para mim mesma e dizer, agora eu vou cuidar de mim.
Ou nos separamos da mulher do chapéu que nos habita ou nos tornamos ela por completo e nos suicidamos simbolicamente.
Porque todos somos capazes de superar o que nos acontece e o que nos fazem de injusto, mas não somos capazes de superar a dor de nos sentirmos livres para ser, criar, transformar e partir.
Nós superamos as traições de outras pessoas mas dificilmente superamos as nossas próprias traições.
Este é um trecho do conto “A Mulher Do Chapéu” do livro, Mulheres que correm com lobos, de Clarissa Pinkola.